Vou reproduzir trechos do texto da Márcia Tiburi, a revista Cult, onde retrata bem o poder da mídia brasileira e o momento que vivemos na nossa sociedade.
Por Marcia Tiburi, na Revista Cult:
Sabemos que o maior de todos os poderes em
nossa época é o do que chamamos de mídia. Legislativo, executivo e judiciário
são poderes menores perto do poder dos meios
de comunicação. O conteúdo produzido pela televisão, por exemplo,
funciona como uma prótese de pensamento para o cidadão alienado,
mas também para magistrados, procuradores e outros atores políticos, que se
demitem do dever de refletir para julgar...
...Sabemos que a influência da mídia é imensa em nosso país, mas a própria questão
dessa influência já ultrapassou todos os limites dos jogos de poder que
conhecemos até aqui. Hoje, podemos dizer que a mídia não apenas influencia, mas
“decide” pelos outros poderes. A própria espetacularização
das versões produzidas pela mídia são repetidas em atos
espetacularizados pelos agentes dos poderes menores que também querem aparecer
e ser elogiados na televisão e nos jornais.
Vimos o que aconteceu nesta semana. Um general usou a rede social do Twitter
para mandar recados à população. Certamente ele não estava apenas trocando
ideias com amigos em público. O tom do que ele disse era ambíguo, podia ser
interpretado de vários modos.... Naquela mesma noite, no Jornal Nacional, o apresentador, um dos personagens
mais mecânicos da cena brasileira, falava como um
robô a partir do tuíte do general. Quem tem algum sentimento
cívico ou visão democrática sentiu uma profunda vergonha alheia.
Há uma continuidade visível entre essa pequena cena midiática de terça-feira, 3
de abril, e a cena de ontem, dia 4 de abril, no STF, em que os ministros que
votavam contra a constituição faziam um discurso
populista e, muitas vezes, incompreensível. Ninguém conseguia
entender o que dizia um Fachin, que chegou a citar doutrinadores que
imediatamente vieram a público declarar que o ministro não havia entendido o
que eles escreveram, ou uma Rosa Weber, que dizia ceder a uma maioria, que só
era maioria por causa do voto dela. Discursavam mal escondendo, atrás de
palavras confusas e argumentos sem pé nem cabeça, a finalidade
político-midiática dos seus votos.
Um detalhe: o melhor jeito de acabar com o poder dos
poderosos é não lhes dar poder. Assim, se não acabamos com o
poder da televisão no dia em que nos negarmos a ser sua audiência, pelo menos
somos capazes de relativizá-lo e colocá-lo assim no seu devido lugar, um lugar
que deveria ser menor do que dos demais poderes. É claro que o Estado já
deveria ter se ocupado de regulamentar os meios de comunicação – como fizeram a
França, a Inglaterra e até os Estados Unidos -, mas os detentores do poder
econômico que tomaram o Estado brasileiro sempre se beneficiaram destes meios...
...Falar de dignidade em uma hora como essa pode
parecer ingenuidade. Quem vai esperar respeito à dignidade por parte de agentes
que estão presos ao poder midiático? Mas há resistência,
como ontem demonstraram alguns poucos ministros.
Sabemos desde o Golpe de 2016,
que depôs Dilma Rousseff, para o qual ingenuamente não estávamos preparados,
que há um jogo armado programado. Toda a
“programação” do Golpe foi bem montada. Programaticamente montada como um
espetáculo. Como em uma série de televisão, o roteiro está dado. Cada ator tem
o seu papel. Direitos e garantias fundamentais devem ser afastados para não
impedir o final desejado pelos diretores e patrocinadores do show. Há muitos
capítulos que já vimos e todos esperam pelo capítulo final em que Lula será
preso.
Um final adequado para uma audiência sádica, que sente prazer com o sofrimento
e com a humilhação. Uma perversão que uma manifestante antes do julgamento
deixou explícita ao declarar que seria “sexy” pedir a prisão do ex-presidente
Lula da Silva.
Lula preso será um espetáculo de prazer visual para aqueles que o odeiam, e
será um momento de desprazer para aqueles que o respeitam. Sem esse espetáculo,
o papel exercido pelo juiz Sérgio Moro perderia o sentido e ele seria relegado
à insignificância a que estava antes de ser escalado como um dos protagonistas
da trama.
Com o espetáculo, esses atores canastrões conseguem uma sobrevida pelo menos
com aquela parte da população alimentada com a ração envenenada do ódio
produzido há tempos pela mídia.
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