Bolsonaro e o Major Olímpio do PSL |
A CARTA
"Prezado Senador Major Olímpio, não. Eu sou professor, não pistoleiro. Minhas mãos são sujas só de giz. Eu não estudei Didática do Faroeste durante minha licenciatura. As armas que eu sei usar são minhas ideias, meus livros, meus conhecimentos, o carinho que eu sinto pelos meus alunos e principalmente minha vontade sincera de ajudar eles a serem pessoas boas. Se eu quisesse usar armas de fogo eu não seria educador, eu seria policial ou miliciano. Ou os dois simultaneamente, que tá na moda.
Garantir a segurança pública é uma atribuição da sua profissão, Major, não da minha. O que eu posso fazer - e faço todos os dias em sala de aula - é tentar formar seres humanos íntegros, inteligentes e honestos pra que idealmente eles não te dêem tanto trabalho no futuro. Mas nem sempre é possível, Major. Há muitos obstáculos impostos por amarras do nosso sistema educacional e político. Eu sei que o trabalho da polícia também é muito dificultado por amarras desse sistema, inclusive sei que o trabalho dos policiais é potencialmente agravado pelo insucesso do meu próprio trabalho como professor. Peço desculpas, mas isso não acontece por falta de dedicação ou vocação da minha parte, são problemas bem mais profundos mesmo, o senhor sabe. Ou deveria.
Na verdade, Major, não sei se o senhor já fez essa conexão, mas seguindo essa lógica, o trabalho dos seus colegas policiais é indiretamente agravado pela má qualidade do trabalho dos seus outros colegas, senadores e deputados, que costumeiramente têm votado por cortes na educação. Que coisa né, Major? Maior doideira essa vida, tem gente que nem percebe. Eu pesquisei sua trajetória política e vi que o senhor votou contra a PEC do teto dos gastos. Parabéns, Senador, e obrigado.
Mas então eu proponho, caso o senhor tenha realmente interesse em provocar transformações reais na sociedade e evitar novas tragédias como a de hoje na escola em Suzano, que a gente trabalhe juntos e energicamente contra esses obstáculos mais profundos. Mas por gentileza, Senador Major, tenha mais cuidado ao fazer propostas rasas, irresponsáveis e fundamentalmente INEFICAZES. Ineficazes porque a ação dos atiradores de Suzano durou só 5 minutos e eles se mataram imediatamente depois. Portanto não estavam com medo de morrer, e tampouco haveria tempo hábil pra algum professor perceber a situação e sacar uma arma de algum tipo de cofre (porque não imagino que o senhor esteja sugerindo que a gente dê aula com uma arma sempre disponível e carregada ao lado do apagador) a tempo de salvar os alunos que obviamente, e muito infelizmente, já estavam baleados.
Ou seja, desculpe a contundência da minha sinceridade, mas a solução que o senhor propôs, além de irresponsável e rasa, é bastante ineficaz. Então é isso: deixe as armas pros seus colegas da polícia. Eu vou continuar com meu giz, e meus livros, espalhando com ainda mais força meu conhecimento e minha compaixão com meus alunos, pra que um dia seus colegas não precisem espalhar tantas balas por aí.
Mas isso só funciona se seus colegas políticos pararem de votar a favor dos cortes na educação. Receio que eles não vão fazer isso, né Major? Porque se a educação melhorar muito e os eleitores ficarem mais inteligentes, a maior parte dos seus colegas políticos provavelmente não serão mais reeleitos, não é mesmo, Senador? Olha que doideira de novo. Então a situação é realmente complicada. Mas vamos continuar tentando resolver aqui sem precisar contar muito com esses senhores. Caso considere minhas palavras sinceramente, obrigado."
Professor Rafael Dias
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