quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

POBRE, NEGRO E FAVELADO NÃO TEM VEZ NUM JUDICIÁRIO BRANCO E ELITISTA

Por Luiza Sansão.

Por dois votos a um, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro negou, na terça-feira (12/12/2017) o recurso de apelação da defesa de Rafael Braga contra a sentença que, em abril, o condenou a 11 anos e três meses de prisão por tráfico e associação ao tráfico de drogas. Agora, os advogados do Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH), que atuam na defesa do ex-catador de latas, irão recorrer da decisão.
Participaram do julgamento os desembargadores da 1º Câmara Criminal do TJ-RJ Katya Monnerat (relatora), Sandra Kayat e Marcos Basílio. Ao negar provimento ao recurso, voto acompanhado por Kayat, a relatora Monnerat passou cerca de 10 minutos lendo em voz alta, de forma confusa, fragmentos dos depoimentos dos policiais, nos quais afirmou não encontrar grandes contradições.
Único a apresentar divergência com relação às colegas, Basílio absolveu Rafael pelo crime de associação ao tráfico, reduzindo a pena para seis anos de reclusão e 600 dias-multa. Ele entendeu que, conforme alegado pela defesa do ex-catador, não há nenhuma prova de que o acusado estivesse associado a ninguém.
“Aproveitando o voto divergente que absolve Rafael pela condenação por associação ao tráfico, levaremos essa discussão para os embargos infringentes”, afirma o advogado Carlos Eduardo Martins, que fez a sustentação do recurso de apelação. Isto significa, segundo o advogado, que esta acusação será julgada por outra Câmara do TJ-RJ, para que haja a apreciação da matéria na qual a divergência se deu. “Levaremos a questão o máximo possível em grau de recurso para ser rediscutida, porque a gente acredita que, a partir de todas as demonstrações da insuficiência das acusações, temos elementos para questioná-las até a última instância”, explica.
Para o advogado João Henrique Tristão, que também atua na defesa de Rafael, “houve um despreparo muito grande por parte da relatora”. “Ela não abordou pontos cruciais que foram levantados pela defesa na confecção do recurso”, critica. “Iremos batalhar muito para reverter esse panorama de manutenção da prisão do Rafael”.
Em sua casa, no domingo (10), onde estive com Rafael, ele mostrou-se ansioso e bastante apreensivo com a espera da decisão, temendo ter que retornar ao cárcere após o término do período de prisão domiciliar para o tratamento da tuberculose que contraiu no complexo Penitenciário de Bangu. O tratamento teve início em setembro e termina no dia 18 de fevereiro.
Na porta do TJ-RJ, ativistas da Campanha Pela Liberdade de Rafael Braga realizaram um ato em apoio ao ex-catador, preso injustamente desde 2013. A decisão frustrou as dezenas de pessoas que acompanharam a audiência. Várias deixaram a sala onde ocorreu o julgamento aos gritos indignados de “racistas” e “fascistas”.

O caso

Hoje com 29 anos, Rafael foi preso injustamente, acusado de portar material explosivo quando levava apenas dois frascos lacrados de produto de limpeza — em 20 de junho de 2013, quando um milhão de pessoas tomou a região central da capital fluminense para protestos cuja motivação o então catador de latas desconhecia.
O jovem negro, pobre, morador de favela e analfabeto foi preso como se pretendesse usar como “coquetel molotov” — que ele sequer sabia o que era — um frasco plástico de desinfetante Pinho Sol e outro de água sanitária da marca Barra, na manifestação que ele não sabia por que estava acontecendo.
Para ele, “não são só 20 centavos” e outras frases cunhadas em cartazes e palavras de ordem contra os governos do estado e do país naquele junho não faziam o menor sentido. Ele não sabia sequer quem era o governador do Rio ou o prefeito da cidade do Rio de Janeiro, cidade na qual ele sempre ocupou apenas a margem. Recolher latas e outros materiais recicláveis pelas ruas movimentadas do Centro era o mais perto que ele chegava da visibilidade — que era nenhuma, até ele se tornar símbolo da seletividade do sistema penal brasileiro, com seu rosto estampado em muros por toda a cidade.
Tornou-se o único preso condenado no contexto das manifestações de junho de 2013, quando pessoas que participaram dos protestos chegaram a ser presas, sendo posteriormente libertadas.
Em 12 de janeiro de 2016, o ex-catador estava em regime aberto, com uso de tornozeleira eletrônica, havia pouco mais de um mês, quando foi preso novamente sob acusação de tráfico de drogas e associação ao tráfico, com base na versão dos policiais que o abordaram.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro o condenou, em abril deste ano, a 11 anos e três meses de prisão por tráfico e pagamento de R$ 1.687 (mil seiscentos e oitenta e sete reais), conforme decisão do juiz Ricardo Coronha Pinheiro. Movimentos populares têm feito uma série de protestos contra a prisão do jovem e debatendo a seletividade da Justiça contra negros, pobres e favelados.
O pedido de habeas corpus sustentado por sua defesa foi negado no dia 8 de agosto pelo TJRJ. Um novo pedido, liminar, quando Rafael já estava com tuberculose, foi novamente negado pelo TJ-RJ no dia 31 de agosto de 2017.
Tendo contraído tuberculose na prisão, ele está em tratamento, em prisão domiciliar, desde setembro.

Fonte: Rede Brasil Atual

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